Seria difícil imaginar dois eventos com a participação de pessoas de status sociais tão distintos e de visões tão diferentes em torno, basicamente, do mesmo tema: o direito à comunicação. Um deles teve ampla cobertura da imprensa; o outro, foi completamente ignorado.
Venício Lima
No mesmo dia 27 de maio em que acontecia o “Fórum Internacional Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário”, no suntuoso prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília, cerca de 50 quilômetros dali, no modesto Centro de Formação Vicente Cañas, distrito Jardim Ingá, na periferia de Luziânia, GO, também se realizava a “IVª Ciranda de Educação Popular”.
Seria difícil imaginar dois eventos com a participação de pessoas de status sociais tão distintos e de visões tão diferentes em torno, basicamente, do mesmo tema: o direito à comunicação.
O Fórum
Realizado no STF e promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), pela Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), e com o apoio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o Fórum teve a participação de “ministros, juristas, jornalistas, publishers, executivos, advogados e estudantes, além de membros de organizações internacionais que representam a imprensa”.
O mote principal do encontro foi dado logo na abertura dos trabalhos pela presidente da ANJ que afirmou: “A liberdade de expressão está sob ameaça em alguns países da América Latina. Eu cito aqui o caso da Venezuela, o caso mais antigo de Cuba e o caso da Argentina, que era um país com tradição democrática e que, nos últimos tempos, tem vivido processo preocupante de reversão” [cf. programação do Fórum em http://www.anj.org.br/sala-de-imprensa/noticias/stf-recebe-forum-internacional-sobre-liberdade-de-imprensa/].
Repete-se a equação da liberdade de expressão com a liberdade de imprensa e desloca-se, ainda uma vez mais, do cidadão para as empresas, o sujeito das liberdades e dos direitos.
No Fórum, o jornal “El Clarin” recebeu o “Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa” pelo reconhecimento da “luta pela liberdade de informação travada na Argentina”. Na verdade, o maior grupo empresarial de mídia argentino tem feito o enfrentamento à “Ley de Medios” elaborada com base no Sistema Internacional de Direitos Humanos, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e em declarações conjuntas de organismos internacionais como a OEA e as Nações Unidas, com o apoio de mais de 73% dos jornalistas argentinos e aprovada pelo Congresso Nacional em 2009.
A lei argentina criou um marco regulatório que promove a diversidade e a pluralidade de idéias e opiniões e combate os oligopólios midiáticos. Exatamente aquilo que os grandes grupos de mídia tentam, com sucesso, há décadas, impedir que ocorra no Brasil [cf. “Cristina fez o que Lula não fez”].
O Fórum recebeu cobertura da grande mídia, inclusive longa matéria no Jornal Nacional da Rede Globo.
A Ciranda
O local de realização da Ciranda foi o “Centro de Formação Vicente Cañas” da Pastoral Indigenista, vinculada ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O nome do Centro é uma homenagem ao missionário Jesuíta Vicente Cañas, que nasceu na Espanha, em 1939, e foi assassinado durante o processo que levaria à demarcação da terra dos índios Enawenê-Nawê, ao norte do Estado de Mato Grosso, em 1986.
A Ciranda foi promovida pela Rede de Educação Cidadã (RECID), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos que se define como “uma articulação de diversos atores sociais, entidades e movimentos populares do Brasil que assumem solidariamente a missão de realizar um processo sistemático de sensibilização, mobilização e educação popular da população brasileira e principalmente de grupos vulneráveis econômica e socialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres, etc), promovendo o diálogo e a participação ativa na superação da miséria, afirmando um Projeto Popular, democrático e soberano de Nação” [cf.http://www.recid.org.br/ ].
Participaram da Ciranda duas centenas de educadores populares dos mais variados pontos do país. Os temas de discussão foram, dentre outros, as políticas públicas de comunicação, o modelo brasileiro de comunicação e o papel que a internet desempenha nos processos de democratização política. Além disso, foram realizadas oficinas sobre blog e Hip-Hop; ferramentas para criação de sítios na internet; vídeo popular; comunicoteca e cineclubismo; cordel; teatro do oprimido e fotografia.
Estiveram presentes, dentre outros, representantes do Ministério das Comunicações e de entidades como o Intervozes, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, o Centro de Mídia Independente e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
A IVa. Ciranda, por óbvio, não recebeu qualquer cobertura da grande mídia.
O direito à comunicação
As diferenças entre o Fórum e a Ciranda são emblemáticas e, na verdade, expressam o abismo que ainda prevalece entre boa parte da população brasileira e, não só a grande mídia, mas algumas instituições políticas e elites no poder.
Para os participantes do Fórum, os grandes grupos de mídia são os representantes do interesse coletivo e da opinião pública, ou como diria a presidente da ANJ, eles “fazem a nação falar consigo mesmo”.
Já os participantes da Ciranda se vêm como os “infans identificados pelo Padre Antonio Vieira – outro jesuíta – como aqueles aos quais “se tolheu a voz”. Eles constituem a significativa parcela da população que está deixando de viver na “cultura do silêncio” e, através da organização popular e dos recursos que as TICs colocam à sua disposição, começa a criar formas alternativas de participar do debate público e de fazer ouvir a sua voz.
O que de fato está em jogo no Fórum e na Ciranda são visões opostas do direito à comunicação, um direito social tão fundamental e importante como os direitos à saúde e à educação e contra o qual, no entanto, existem resistências históricas por parte daqueles que se habituaram a excluir a voz da maioria em nome de direitos dos quais se consideram os únicos sujeitos.
Seria difícil imaginar dois eventos com a participação de pessoas de status sociais tão distintos e de visões tão diferentes em torno, basicamente, do mesmo tema: o direito à comunicação.
O Fórum
Realizado no STF e promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), pela Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), e com o apoio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o Fórum teve a participação de “ministros, juristas, jornalistas, publishers, executivos, advogados e estudantes, além de membros de organizações internacionais que representam a imprensa”.
O mote principal do encontro foi dado logo na abertura dos trabalhos pela presidente da ANJ que afirmou: “A liberdade de expressão está sob ameaça em alguns países da América Latina. Eu cito aqui o caso da Venezuela, o caso mais antigo de Cuba e o caso da Argentina, que era um país com tradição democrática e que, nos últimos tempos, tem vivido processo preocupante de reversão” [cf. programação do Fórum em http://www.anj.org.br/sala-de-imprensa/noticias/stf-recebe-forum-internacional-sobre-liberdade-de-imprensa/].
Repete-se a equação da liberdade de expressão com a liberdade de imprensa e desloca-se, ainda uma vez mais, do cidadão para as empresas, o sujeito das liberdades e dos direitos.
No Fórum, o jornal “El Clarin” recebeu o “Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa” pelo reconhecimento da “luta pela liberdade de informação travada na Argentina”. Na verdade, o maior grupo empresarial de mídia argentino tem feito o enfrentamento à “Ley de Medios” elaborada com base no Sistema Internacional de Direitos Humanos, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e em declarações conjuntas de organismos internacionais como a OEA e as Nações Unidas, com o apoio de mais de 73% dos jornalistas argentinos e aprovada pelo Congresso Nacional em 2009.
A lei argentina criou um marco regulatório que promove a diversidade e a pluralidade de idéias e opiniões e combate os oligopólios midiáticos. Exatamente aquilo que os grandes grupos de mídia tentam, com sucesso, há décadas, impedir que ocorra no Brasil [cf. “Cristina fez o que Lula não fez”].
O Fórum recebeu cobertura da grande mídia, inclusive longa matéria no Jornal Nacional da Rede Globo.
A Ciranda
O local de realização da Ciranda foi o “Centro de Formação Vicente Cañas” da Pastoral Indigenista, vinculada ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O nome do Centro é uma homenagem ao missionário Jesuíta Vicente Cañas, que nasceu na Espanha, em 1939, e foi assassinado durante o processo que levaria à demarcação da terra dos índios Enawenê-Nawê, ao norte do Estado de Mato Grosso, em 1986.
A Ciranda foi promovida pela Rede de Educação Cidadã (RECID), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos que se define como “uma articulação de diversos atores sociais, entidades e movimentos populares do Brasil que assumem solidariamente a missão de realizar um processo sistemático de sensibilização, mobilização e educação popular da população brasileira e principalmente de grupos vulneráveis econômica e socialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres, etc), promovendo o diálogo e a participação ativa na superação da miséria, afirmando um Projeto Popular, democrático e soberano de Nação” [cf.http://www.recid.org.br/ ].
Participaram da Ciranda duas centenas de educadores populares dos mais variados pontos do país. Os temas de discussão foram, dentre outros, as políticas públicas de comunicação, o modelo brasileiro de comunicação e o papel que a internet desempenha nos processos de democratização política. Além disso, foram realizadas oficinas sobre blog e Hip-Hop; ferramentas para criação de sítios na internet; vídeo popular; comunicoteca e cineclubismo; cordel; teatro do oprimido e fotografia.
Estiveram presentes, dentre outros, representantes do Ministério das Comunicações e de entidades como o Intervozes, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, o Centro de Mídia Independente e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
A IVa. Ciranda, por óbvio, não recebeu qualquer cobertura da grande mídia.
O direito à comunicação
As diferenças entre o Fórum e a Ciranda são emblemáticas e, na verdade, expressam o abismo que ainda prevalece entre boa parte da população brasileira e, não só a grande mídia, mas algumas instituições políticas e elites no poder.
Para os participantes do Fórum, os grandes grupos de mídia são os representantes do interesse coletivo e da opinião pública, ou como diria a presidente da ANJ, eles “fazem a nação falar consigo mesmo”.
Já os participantes da Ciranda se vêm como os “infans identificados pelo Padre Antonio Vieira – outro jesuíta – como aqueles aos quais “se tolheu a voz”. Eles constituem a significativa parcela da população que está deixando de viver na “cultura do silêncio” e, através da organização popular e dos recursos que as TICs colocam à sua disposição, começa a criar formas alternativas de participar do debate público e de fazer ouvir a sua voz.
O que de fato está em jogo no Fórum e na Ciranda são visões opostas do direito à comunicação, um direito social tão fundamental e importante como os direitos à saúde e à educação e contra o qual, no entanto, existem resistências históricas por parte daqueles que se habituaram a excluir a voz da maioria em nome de direitos dos quais se consideram os únicos sujeitos.
Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
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